Lia Lopes Silva

A reflexão leva à compreensão dos fatos da vida

Textos

Falando um pouco sobre humildade e humilhação no processo educativo
Embora de etimologia semelhante, humildade (do latim, humilitate) e humilhação (do latim, humiliatione) não são propriamente sinônimas. Humildade é ato voluntário, - é uma virtude que se adquire por escolha, por vontade pessoal. Portanto, humildade não pode ser imposta. Se for imposta - trata-se de humilhação. A humilhação só leva à humildade quando nos é imposta por nós mesmos. Humilhação imposta por outrem rarissimamente leva à humildade, pois é ato ditatorial, que anula a dignidade e fere aos direitos humanos. Por conseqüência, não raro, esse tipo de humilhação leva à revolta, à indisciplina, à sublevação. Exemplos históricos: através da humilhação a Santa Inquisição quis exorcizar a muitos e impor seus dogmas; as ditaduras pretenderam impor seus princípios, suas regras. Mas isso não teve de cessar? Populações humilhadas por seus dirigentes ou conquistadores se tornaram humildes ou foram levadas à revolta, à insurgência? Os soldados que são tratados com métodos humilhantes se tornam humildes - ou se tornam desalmados, desumanizados, perversos torturadores? A desumanidade que testemunhamos, cada vez mais freqüentemente, tem origem na humilhação, no rebaixamento, no vexame, na afronta a que essas pessoas foram submetidas. Manter pessoas no analfabetismo, na miséria é uma forma de humilhação; submeter seres humanos à tortura é uma forma de humilhação; o estupro é outra forma de humilhação. Mas seres humanos que são assim humilhados nunca se tornam seres humanos humildes no sentido de modestos, moderados nos desejos e aspirações, isentos de orgulho, de prepotência. Muito ao contrário: os seres humanos, ao verem sua dignidade aviltada, degradam-se, tornam-se agentes da indignidade - até por vingança a tudo que foram levados a sofrer. Por exemplo, é muito comum que um pedófilo, um estuprador tenha igualmente sido vítima de pedofilia, de estupro. Ou seja, a humilhação a que foi submetido não o tornou humilde, mas um ser desnaturado, uma criatura que continuamente quer impor a outrem a mesma humilhação a que foi submetido.
A humildade sincera, construída e observada pelo próprio ser humano, revela um caráter nobre, virtuoso. Já a humilhação ao outro indica um caráter podre, desvirtuado.
A minha intenção ao me submeter a cursos (seja de especialização, ou de pós-graduação) é me tornar melhor do que eu era antes. Eu busco tornar-me mais humana - e não mais desumana. Pagar para me tornar uma pessoa fria, calculista, até sádica é um contra-senso, um absurdo pois milhões de pessoas assim se tornaram sem terem despendido um centavo sequer. O preparo acadêmico não deve servir para anular a vontade - mas para fortalecê-la. Pois, o que é a vontade senão a principal das potências da alma, que inclina ou move a querer, a fazer ou deixar de fazer alguma coisa? O que é a vontade senão energia, firmeza de ânimo, fortaleza e perseverança no querer ou realizar? Há várias formas de lançar desafios, estímulos para que alguém melhore sua atuação, seu trabalho, seu estudo; mas, definitivamente, a humilhação não está entre essas formas.
Ao quebrar a vontade, o homem se desmotiva, se anula como ser racional e produz um trabalho tão mecânico quanto medíocre - e até mesmo inferior. Quebrar a vontade é fazer com que alguém aja contra sua própria vontade, é fazer com que alguém aja sob coação; é fazer com que alguém realize uma atividade com repugnância e sob constrangimento - e isso não é democrático, não é justo, não é ético! Isso não é humano!
Quantas pessoas que se submeteram a cursos de Mestrado, Doutorado, Pós-doutorado são - sinceramente - humildes? Infelizmente, a maioria, depois de passar por esses processos humilhantes, se tornam presunçosas, adotam um modo artificioso de ser, falar, proceder; perdem, portanto, a naturalidade, a simplicidade e se tornam novos “torturadores”, por terem se tornado insensíveis e indiferentes ao sofrimento alheio. O mesmo desrespeito com que foram tratados, passam a dispensar a todos quantos com eles convivam.
Sinceramente, creio que não precisamos formar mais pessoas desumanas - a não ser que queiramos levar nossa espécie à extinção por nossas próprias mãos, nossas próprias ações.
De qualquer modo, não quero ser mais desumana do que já sou. Estou a buscar ser mais humana e acredito que isso, sim, me levará a ser mais humilde - ou seja, mais natural, mais simples, mais sensível e mais cuidadosa com os meus semelhantes.
Em verdade, o nosso verdadeiro professor somos nós mesmos. Os estímulos externos só encontram eco em nós quando nos propomos a fazê-los ecoar em nós. O que um tutor pode fazer se eu não me predispuser a estudar, se eu não me convencer a mim mesma que é importante entender e assimilar determinada matéria? Um curso, um professor, um tutor deveriam servir para nos guiar no nosso conhecimento, para que não nos concentrássemos em assuntos de menor importância, olvidando os que verdadeiramente interessam para nossa melhor formação.
Mas não para nos castigar, nos punir, nos ofender, nos humilhar. A humilhação causa um trauma e até desmotiva o aluno a aprender, a continuar naquele curso. Ser submisso não é ser disciplinado. E se o que temos a aprender é bom - porque tem de imposto goela abaixo, pondo uma mordaça ao final? A interferência não pode se dar no sentido de desconstruir, de desarticular, um trabalho. Ela deve se dar através de contínua construção. Porque se você quebra a vontade do outro, anula também a possibilidade de originalidade. O trabalho deixa de ser a quatro mãos - e termina sendo realizado por apenas duas: a do orientador, a do professor. Assim não formamos novos pensadores: torna-se muito mais provável que formemos plagiadores...
É o que me parece.
Lia Lopes Silva
Enviado por Lia Lopes Silva em 04/10/2008


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