Lia Lopes Silva

A reflexão leva à compreensão dos fatos da vida

Textos

 

Conclusão

Na visão hodierna, entende-se que o direito à igualdade jamais será implementado sem que se combata toda e qualquer forma de discriminação racial e se promova a igualdade. Ou seja, se não houver medidas destinadas à promoção da igualdade, o combate à discriminação racial se revelará insuficiente; e, igualmente, sem políticas de combate à discriminação racial, a promoção da igualdade efetivamente não se verificará.

Portanto, para eliminar a discriminação racial, ao lado do que se encontra positivado em lei, urge, num primeiro momento, a adoção de medidas especiais e temporárias. Há de se cuidar, entretanto, para que tais medidas não conduzam à manutenção de direitos separados para os diferentes grupos raciais e não tenham prosseguimento após terem sido alcançados os objetivos anteriormente propostos. Sendo assim, temporárias, não poderão ser consideradas discriminação negativa (ou favorecimento) racial.

Devemos observar e entender as profundas diferenças existentes entre a discriminação negativa e a discriminação positiva:

- a discriminação negativa perdura por séculos, até por milênios; enquanto a discriminação positiva é temporária;

- a discriminação negativa é baseada na intolerância, na visão preconceituosa, no ódio, no egoísmo; enquanto a positiva tem por fundamento a solidariedade social, o comprometimento com a atual e as próximas gerações e busca estimular, incentivar a tolerância, o respeito à diferença;

- na discriminação negativa busca-se diferenciar sem razão; na discriminação positiva luta-se, com razão, para alcançar a igualdade e efetivamente integrar-se à sociedade em seus benefícios;

- na discriminação negativa as raças são classificadas como superiores ou inferiores, ou seja, há sempre desigualdade; na positiva a diversidade étnica-racial é vivida como equivalência;

- na discriminação negativa o conhecimento é tratado de modo aristocrático, elitista, autoritário e arbitrário; na discriminação positiva, a visão é de que todas as pessoas devam dele se beneficiar, independente de quaisquer dessemelhanças que hajam entre elas.

As ações afirmativas cumprem uma finalidade pública necessária e inadiável para o projeto democrático nacional ao assegurar a diversidade e a pluralidade social, através de medidas concretas que tornam exeqüível o exercício do direito à igualdade.

É preciso igualmente entender que as ações afirmativas são políticas compensatórias que têm sido adotadas pelos governos de vários países não como medida eleitoreira, mas por força e com fundamento no Direito Internacional dos Direitos Humanos. Os Tratados internacionais, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, estão no mesmo plano hierárquico das normas infraconstitucionais, e, segundo a doutrina especializada, se ratificados pelo Governo brasileiro, têm nível hierárquico intermediário, situados acima de toda legislação infraconstitucional e abaixo apenas da Constituição Federal. Ressalte-se que os mais profundos estudiosos sobre o tema, como Flávia Piovesan, Antônio Augusto Cançado Trindade e Valério de Oliveira Mazzuoli, entre outros, consideram retrógrada aquela decisão do STF, e têm defendido a mais atual inteligência sobre a matéria, que proclama a supremacia dos tratados internacionais de direitos humanos diante até da Constituição Federal. 

Observe-se que, qualquer um dos entendimentos, confere força de lei dentro do território nacional às Declarações e as Convenções internacionais.

Em vista do exposto, parece-nos que para a diminuição efetiva das desigualdades é premente que um tipo de ação, especial e temporária, seja adotada.

Diante da falta de iniciativa e conscientização de parte expressiva da população, é imperioso que o Estado tome a iniciativa e dê o exemplo de que a desigualdade social e a discriminação racial têm de ser banidas da sociedade brasileira se quisermos realmente avançar satisfatoriamente nos âmbitos educacional, cultural e sócio-econômico e, de modo eficaz, nos tornamos competitivos mundialmente.

Mas o sistema de cotas deve ser entendido apenas como o primeiro passo no caminho para a eliminação da discriminação racial no ensino. Enquanto as medidas de caráter especial e temporário estiverem vigentes (e, no caso das cotas, o tempo previsto é de dez anos), cumpre ao mesmo Estado que implementa essas medidas, concomitantemente pôr em prática por meio de providências concretas, outras de caráter geral e permanente, que erradiquem as causas que motivam a adoção do sistema de cotas.

Alistamos aqui algumas medidas que nos parecem importantes:

- instar aos diversos setores do governo para que criem políticas que propiciem ao aluno cotista uma real vivência acadêmica, isto é, que após permitir-lhe o acesso à universidade, condições lhe sejam dadas para continuar matriculado e, principalmente, para concluir seu curso. Além de auxílios de pesquisa, extensão e iniciação científica, é necessário garantir aos cotistas bolsas de estudo durante todo o curso para evitar a evasão;

- elevar o nível dos professores nos cursos de primeiro e segundo graus nas escolas públicas, dando preferência à contratação de pessoas com pós-graduação e com os melhores desempenhos nos cursos de docência;

- elevar os salários dos professores, o que também colaborará para atrair melhores profissionais para a área;

- melhorar o nível dos cursos de primeiro e segundo graus nas escolas públicas, de forma a dar uma base sólida aos alunos para que estes, mesmo que não sigam uma carreira acadêmica, estejam aptos a compreender o que lerem e a saber solucionar problemas matemáticos de média complexidade;

- garantir um número de escolas públicas que atenda satisfatoriamente ao número de alunos;

- disponibilizar material didático com ensino de boa qualidade.

- oferecer escolas com edificações que ofereçam segurança e tranqüilidade.

As medidas acima sugeridas não pretendem ser exaustivas, mas tão-somente exemplificativas.

Embora, um dos mais recorrentes argumentos contrários à adoção das cotas seja o de que os estudantes cotistas não conseguiriam ter um bom desempenho, o desempenho dos alunos cotistas é satisfatório e, muitas vezes, acima da média, conforme declaração do reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA). “Uma grande preocupação da sociedade com as cotas era a perda de mérito acadêmico. Os números demonstram que a diferença no desempenho entre os dois grupos não chega a 10%”, avalia Almeida Filho.

As ações afirmativas são mais um round na luta milenar contra o egoísmo, o preconceito, a discriminação social e o ódio racial. Como afirmou Mêncio – “a bondade inata no homem precisa ser desenvolvida”. Digo eu: não apenas com intenções, mas com ações.

Por fim, dois pensamentos, resumirão aqui essa breve análise sobre tão polêmico tema:

Os homens cultivarão a paz universal; não considerarão os pais como pais e irmãos como irmãos; todos os homens serão iguais, este é o estado da grande harmonia.

Confúcio

 

Certamente que a mudança é necessária; o progresso é sua conseqüência.

Chuang-Tsé

 

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Lia Lopes Silva
Enviado por Lia Lopes Silva em 17/07/2008
Alterado em 08/07/2009


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