Ao submeter um escravo à maiêutica (*) de uma intrincada questão matemática, Sócrates demonstrou, publicamente, que o homem, mesmo sob o jugo de condições sociais e políticas que lhe são impostas pela classe que se autoprivilegia - se submetido a um processo educativo adequado - era capaz de compreender e deslindar questões científicas - complexas. Sócrates prova assim, que um escravo é, pelo menos na alma, igual a qualquer cidadão - e que todos os indivíduos, de direito, intrinsecamente se assemelham.

Infelizmente, em muitos argumentos que lemos na Internet contrários ao sistema de cotas para afro-descendentes e demais minorias, se sustenta que não tendo tido acesso aos bons cursos oferecidos pelas escolas particulares, mas contando exclusivamente com a incipiente preparação oferecida nas escolas públicas, essas minorias não teriam a mínima condição de acompanhar um curso em uma universidade pública.

Ocorre que nem todos que freqüentaram escolas particulares assimilaram adequadamente as disciplinas que lhes foram ministradas. Assim não é tão raro que também os alunos oriundos dessas escolas igualmente não tenham condições de acompanhar o nível dos estudos ali tratados. Acompanhar o alto nível dos estudos oferecidos numa universidade conceituada depende muito do interesse de cada aluno - não importando sua origem. Há muitos alunos de escolas particulares que têm um rendimento insuficiente - reflexo de sua própria desídia. E há os que, de origem humilde, se dedicam, se esforçam e se superam, conseguindo um rendimento considerado surpreendente - para qualquer um - fruto de seu ânimo, vigor e empenho.

Se fosse só pela origem, George W. Bush teria realizado um governo muito melhor do que o de Abraham Lincoln...

A origem, a ascendência pode garantir privilégios - mas não garante a ninguém superioridade de méritos.

(*) Ou parturição das idéias. Processo pedagógico usado por Sócrates para estimular o próprio discípulo, através de perguntas habilmente feitas, a dar à luz suas próprias idéias.